Statea
O título do álbum Statea (que significa “balança” em italiano antigo) é uma referência a “escalas”– uma alusão ao balanço perfeito entre duas unidades de medida.
Inicialmente estranha, a colaboração entre Fernando Corono (mais conhecido como Murcof), figura de proa do ambient, e Vanessa Wagner, multipremiada pianista clássica francesa, apresenta, afinal, uma lógica sublime. Ambos com formação clássica, percorreram trajectos diferentes, tendo convergido no entusiasmo partilhado pelo minimalismo.
Vanessa Wagner decidiu manter-se próxima da partitura original e respeitar a pauta no sentido clássico. A sua qualidade como intérprete foi reconhecida com o prémio Victoires de la Musique Classique, o mais alto prémio para um músico clássico francês. Apesar do seu repertório abrangente, Vanessa nunca esconde a vontade de abrir o seu espectro musical a composições modernas.
Murcof mergulhou inicialmente na banda pós-punk Sonios e no colectivo dance-punk Nortec, para depois focar a sua carreira a solo numa extensa pesquisa de design sonoro e de texturas. Em 2008, Alexandre Cazac (A&R da InFiné) convidou Murcof para trabalhar com uma orquestra clássica, com o intuito de apresentarem o resultado numa actuação no Palácio de Versalhes. Dois anos depois, após o encontro no workshop da In Finé, em França, Vanessa Wagner e Fernando Corono decidiram trabalhar juntos num espectáculo.
Ambos consideraram que as composições peculiares de Arvo Pärt, Ligeti, John Cage, Erik Satie ou Philip Glass seriam um recreio musical onde poderiam exprimir as suas qualidades. A selecção foi mediada por uma concepção abrangente de minimalismo, incluindo peças clássicas e peças mais obscuras, interrompidas por uma breve e propositada inclusão de “Avril 14th” de Aphex Twin, figura iconoclasta da música electrónica.
A identidade do projecto ganhou forma pela experiência de tocarem juntos em palco. Durante as actuações, os protagonistas demonstraram tanto a liberdade de improvisação quanto a precisão de execução. Vanessa reconhece que o palco é uma plataforma onde podem “entrelaçar” livremente os dois universos.
Ora eco,ora espelho do piano de Wagner, os loops e as texturas em tempo real de Murcof revelam e multiplicam perspectivas sobre géneros, passando do ambient para o electro, e dão uma nova profundidade de campo e de ressonância à música. Quase seis anos de labor permitiram que os artistas capturassem a essência das suas cativantes actuações e partilhassem o seu concerto com o público antes de gravarem um álbum.
Statea oferece uma definição do género modern classical ambiciosa e fascinante. Enquanto muitos projectos que cruzam géneros se limitam a capturar a proeza instrumental, Murcof e Wagner mergulham profundamente na rica textura sónica da produção, combinando a mestria técnica e o desejo de ir para lá das barreiras criativas.
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MURCOF
Fernando Corona produz electrónica minimal. Muitas das suas composições são construídas à volta de percussão electrónica abstracta, glitchy e, por vezes, complexa. As influências melódicas e harmónicas provêm da música clássica, da música ambient e de drones, da escola de Berlim de música electrónica, da música étnica e da improvisação livre. Os ritmos vêm do techno minimal, dub, glitch, música industrial e intelligence dance music (IDM) – frequentemente alinhados à volta de uma batida 4/4. Contudo, os mais recentes trabalhos de Murcof não incluem batidas electrónicas.
No material mais antigo, como no EP Monotonu, de 2001, Murcof incluiu instrumentos orquestrais samplados a partir de gravações de obras de compositores modernos (Arvo Pärt, Morton Feldman) e, mais tarde, incorporou samples próprios e de amigos a tocar instrumentos clássicos. Os quatro álbuns para a editora Leaf (Martes, Utopía,RemenbranzaeCosmos), lançados entre 2002 e 2007, são dos discos mais aclamados de ambient/música experimental.
Para além destes discos, Corona trabalhou na encomenda do projecto The Versailles Sessions, no qual reinterpretou gravações de um ensemble barroco. Os espectáculos de Murcof contaram com músicos convidados vindos de diferentes géneros, tal como o músico de jazz Erik Truffaz no trompete, Talvin Singh a tocar tablas, o pianista Francesco Tristano, que mistura clássica com electrónica, e o compositor contemporâneo Philippe Petit. Em 2009, a In Finé reeditou com aclamação crítica a banda sonora de La Sangre Illuminada.
VANESSA WAGNER
Guiada pela curiosidade natural, a pianista Vanessa Wagner gosta de viajar pelo vasto repertório do seu instrumento, desde trabalhos escritos para pianoforte (que toca) até composições contemporâneas, em especial as de Pascal Dusapin, a quem dedicou várias peças enquanto sua pianista preferida.
Pianista ecléctica e curiosa, também gosta de estar envolvida em projectos mais originais: faz espectáculos em que toca pianos tanto antigos como modernos. Instrumentista sensível e inteligente, de personalidade discreta, faz escolhas artísticas heterogéneas e politicamente empenhadas. Em 1999, recebeu o prémio Victoires de la Musique (equivalente aos Grammy) como a jovem solista mais promissora.
As suas gravações de Rameau, Mozart, Haydn, Schumann, Brahms, Rachmaninoff, Debussy, Schubert e Berio receberam excelentes críticas e inúmeros prémios em França e no estrangeiro. Vanessa Wagner recebeu o prémio des Arts et des Lettrese é, desde 2010, Directora Artística do Festival du Château de Chambord.
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Murcof x Wagner – Statea (Infiné) – Headphone Commute