«14 estações» surge das 14 estações da Via Sacra. Mas esta instalação não está directamente relacionada com religião, embora esteja, de certo modo, relacionada com o sagrado. «14 estações» são 14 propostas estéticas em 14 curtas-metragens (2’) sobre a evolução do nosso mundo, 14 impressões sobre o mesmo, 14 formas de nos interrogarmos acerca do futuro sob a forma de enigmas visuais e sonoros.
Neste mundo em profunda e constante mudança, questionamos a relação entre o material e o imaterial, a morte e a vida, a expressão e a ausência de expressão, entre o natural e o sobrenatural.
É nossa intenção apresentar essas questões em 14 estações, como se de uma via sacra se tratasse.
O questionar marca assim este trabalho, através do confronto entre ambientes naturais — celestes, terrestres e marítimos – e técnicos – mecânicos, industriais. É nossa intenção estabelecer uma gramática específica de imagem e de som, um vocabulário de fantasmagoria, como nos sugere o nosso quotidiano contemporâneo.
Trabalhar o visível e o invisível. Procurar no detalhe, na ampliação, na textura, nas sobreposições, uma espécie de essência do nosso tempo. E tudo isto com recurso a elementos sonoros e visuais. A imagem funciona aqui como um enigma ou um haiku, enquanto confronto entre dois elementos, gerando um novo significado.
Nestas 14 etapas em busca de uma impressão duradoura, privilegiam-se os negros, os castanhos e os azuis profundos, os sons são roufenhos, granulados. Queremos dar a rever e a reouvir o que constitui a nossa vida diária, a nossa proximidade; uma forma de reencantar o nosso ambiente, vendo-o sob o prisma de um olhar renovado, reinterrogando a sua matéria, a sua textura, a sua espessura. Mas convocando também o mistério que encerra cada lugar, imagem, objecto, som, rumor… ouvindo e vendo o que diz o nosso presente sobre o nosso futuro.
A ficção é também alvo de interrogação. A referência à Via Sacra e às suas 14 estações é explícita, mas esta via sacra obriga-nos a pensar na sucessão das «imagens», na sua «montagem», no seu significado em relação ao precedente. A Via Sacra cristã conta 14 episódios da Paixão de Cristo, a sua crucificação. Aqui não se trata propriamente de religião no seu sentido estrito, mas sim do presente e do futuro. E da sua confusão. Num mundo que está a mudar. E a percepção que temos dele. Mas em vez de uma sucessão imposta (e A Via Sacra «funciona», pois, contada numa ordem específica), preferimos a aleatoriedade da visita, sem indicar uma direcção específica. Que os 14 quadros/vídeos se tornem num jogo de combinações, no recompor de uma história.
E queremos falar também do tempo. Optámos por um certo imediatismo da impressão. Cada vídeo será bastante curto — mais precisamente dois minutos — o que significa que o espectador não demorará mais de meia hora a ver os 14 vídeos. Em cada vídeo, após 10 a 30 segundos, surge um novo elemento, que se cruza ou se sobrepõe ao primeiro elemento, reinterrogando o nosso meio ambiente. E cerca de um minuto depois, este novo elemento desvanece-se, como se fosse um sonho, uma impressão passageira. É esta noção de desordem no seio da ordem natural das coisas, da paisagem, que queremos questionar.
Acreditamos que esta instalação pode contribuir para uma reflexão necessária sobre o nosso destino e sobre a nossa ligação com o sagrado. A ideia global, o «significado», remete para um confronto entre um mundo «moderno» e um mundo «velho», um ambiente «natural» e um elemento «técnico». Com esta justaposição de elementos contraditórios, sugerimos uma leitura do mundo em que vivemos, da sua sedução, do seu impasse, entre uma visão um pouco desencantada, mas, ao mesmo tempo, sob um certo encantamento. Não se trata de ficção científica, não conseguimos desfazer-nos desta ideia de natureza e erramos assim neste fingimento.
**
Frédéric Touchard, 1961, França
«Nasci em 1961 e cresci perto de uma floresta. Isso não se esquece, uma floresta. O odor da floresta.
Eu queria escrever. Muito depressa. Contar. A floresta é algo mais. Mil tentativas. Levou tempo. E depois os filmes, o desejo de ver esse mundo que não pára.
Primeiro foi uma ficção curta, Crocodile. Alguns clips (video musicals de promoção por cantor), com Jil Caplan ou Jay Alanski. Depois dois filmes sobre o Fado (Fado, ombre et lumières) e o Novo Fado (Novo fado et autres romances…), porque é muito bonito e nem sempre triste, o Fado. Em Lisboa, onde me refugio sempre que possível…
E o Norte da França. Esse Norte, que tanto me ensinou. A Bassin Minier, onde me apaixonei pelas Bandas quando La fanfare ne perd pas le Nord, depois Calais, onde a sorte dos migrantes não me podiam deixar indiferente: Cinq exils et quelques autres…
No Digue du Braek, onde os operários trabalham arduamente a poucas braçadas dos veraneantes, vi como vive o mundo que habitamos por La Digue.
Para lá do dique, no interior, está a Grande Synthe onde segui os últimos meses de um bairro condenado à demolição, com Les habitants.
Depois haverá Dunkerque uma vez mais, 13 fois Dunkerque, 30 vezes destruída, depois reconstruída, onde creio ainda ter outros filmes para fazer, outras histórias para contar.
Entretanto, houve alguns desvios, a norte de Paris para um filme quase familiar, com a minha filha e os seus amigos do Pays de Citron, depois Burkina Faso e os seus órfãos da SIDA, no coração de L’Afrique orpheline, e ainda alguns adolescentes do Este parisiense, que nos falam das suas vidas e dos seus États d’âmes.
A Baía de Somme, também, em Cayeux, si la mer monte. Sim, se o mar sobe…
E depois Crise(s), do Norte a Lorraine, entre os trabalhadores que assistem ao colapso mundial.
De quel genre humain est l’Internationale? pergunta-me a France Culture (radio cultural francesa). Porque é bonita, a rádio. E o hino «L’Internacionale”.
Mas também, escrever. E esse Nu rouge, também ele atravessa o Norte ao qual estou agora tão ligado.
E depois no coração da floresta, onde se irá perder Gaspard, L’hypothèse du prototype.
E ainda muitos filmes para realizar e outros livros para escrever. Autor? Realizador? Escritor? Cineasta? Videasta?
Mas por quanto tempo ainda?…»
**
Frederic Touchard