Acerca de Dark Forces (o filme e a série fotográfica), por Helene Nyborg Andersen.
A exposição Dark Forces de Nuno Cera consiste em fotografias, imagens tiradas de filmagens e um filme Super-8 captados em áreas florestais perto de Viseu, depois da imensa destruição causada pelos fogos no Verão de 2003.
Os piores fogos florestais de sempre puseram Portugal em estado de emergência e foram seguidos de perto pelos media de todo o mundo. Contudo, torna-se muito difícil compreender as profundas consequências deste desastre vendo-o apenas na televisão. Ainda que estejamos na nossa sala de estar, longe da ocorrência in situ, é como testemunhas e espectadores que lidamos com a situação. Há quem chame a isto falta de realidade, partindo do princípio que pensamos que o mundo é representado pelo nosso televisor ou computador. Baudrillard, filósofo francês, defende que vivemos na era da hiper-realidade, onde tudo simula ser real [1]. Segundo este filósofo, a sociedade actual tenta recuperar a realidade, mas a realidade escapa-se, deixando para trás apenas uma concha vazia, o simulacro.
Podemos entender Dark Forces como uma reacção ao simulacro porque Nuno Cera investiga o que está para além da realidade apresentada pelos media. Através de intensos estudos dos lugares perto de Viseu, o artista investiga de perto esses lugares para, com a lente da sua máquina fotográfica, descobrir a profunda narração de detalhes e indícios. O que Nuno Cera encontra é o desastre depois de uma catástrofe natural, e o que vemos são árvores despidas em paisagens desoladas marcadas pelo fogo e onde a destruição e a solidão são universais. Pelo menos à primeira vista! Este poderia ser um cenário de uma paisagem pós-nuclear, a simulação de uma visão muitas vezes prevista pelos media mas, apesar do estilo documental de Cera, não somos confrontados com aquilo que esperamos. Em vez de vermos tão somente o desastre total, tal como seria a versão do simulacro, vemos um baldio multifacetado e inesperado repleto de opções.
Cera dá-nos a entender a beleza do cenário da terra queimada: vemos como os raios de luz tocam o chão da floresta, vemos o ar enublado da manhã, os fenos a rebentarem do chão e a teia da aranha com gotas de orvalho – todos eles sinais indicadores de vida. A estética de Cera dá vida a imagens poéticas, quase como cenário de duendes e, se não tivermos as Dark Forces como pré-condição, estas imagens podiam levar-nos a pensar nestes baldios como um país encantado. Não nos podemos esquecer de que na origem de Dark Forces esteve a tragédia, uma causa que chama a atenção para o paradigma clássico da destruição e da criação como figura central da série.
Existe sempre um sentido de interacção entre as obras de Nuno Cera de cada vez que se fala das obras per se e da obra como um todo. As fotografias e o filme Super-8 formam normalmente um conjunto nas composições de Cera, ainda que totalmente distintas em termos de expressão visual e técnica e nunca recorrendo aos mesmos motivos. Esta íntima relação sublinha exactamente a distinção dentro dos media que também se pode observar em obras anteriores do artista como DK, Being Anywhere, Pure Light.
A procura e desorientação estão presentes em Dark Forces, filmado em Super-8 com a câmara na mão, onde o espectador sente cada pegada do artista, uma técnica que enfatiza a autencidade e a sensação de se estar ao lado do cameraman, andando à procura de algo, algo que possa ser realidade. Este método de filmagem foi primeiramente usado em filmes e vídeos vanguardistas por artistas como Jonas Mekas e Nam June Paik nos anos 60. Ao fazer ressurgir essa técnica, Nuno Cera deixa-nos imagens emocionantes que parecem estranhamente intemporais porque partilham uma forma que se identifica com o passado e com a visão dos nossos dias.
Com Dark Forces dá-se continuidade ao exame que Nuno Cera faz da realidade e que resulta em imagens etéreas, tão cruéis e, no entanto, tão belas como só a natureza o pode ser.
[1] Baudrillard, Jean, The Precession of Simulacre, 1984
Técnica
7 fotografias impressão Lambda montadas em Diasec com a dimensão de 70 x 100 cm
O vídeo:
Música: «Symphony no. 3, opus 36», Henryk Górecki
Cor e Preto e branco, 4:3
Duração: 7’23’’ (loop)
Super-8 transferido para H264, PAL
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NUNO CERA, Beja, 1972
Fotógrafo e artista visual. O seu trabalho aborda questões espaciais, arquitectura e situações urbanas, através de formas ficcionais, poéticas e documentais.
Licenciado em Publicidade pelo IADE, 1995. Estudou na Maumaus — Escola de Artes Visuais, de 1995 a 1997.
Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian (Bolsa João Hogan) para residência artística na Kunstlerhaus, Berlim, 2000. Em 2002 publicou com o Arquitecto Diogo Seixas Lopes o livro Cimêncio, um levantamento de paisagens suburbanas. Nomeado para o prémio Besphoto 2004. Residência artística no ISCP — International Studios and Curatorial Program, Nova Iorque, USA, 2006. Em 2007 e 2008 realizou o vídeo Sans, Souci e o projecto Futureland, uma investigação artística sobre 10 metrópoles (com o apoio da Dgartes — Ministério da Cultura de Portugal). Em 2012 foi seleccionado na xx edição da Bolsa Fundación Botin, Santander, com o projecto The Symphony of the Unknown. Residência artística na International Artist Residency Récollets, Paris, 2013. Realizou as fotografias para os Guias de Arquitectura Álvaro Siza — Projectos Construídos, 2017, e Eduardo Souto de Moura, 2018. Artista convidado na representação oficial portuguesa na Bienal de Arquitectura de Veneza (Public Without Rhetoric) — Freespace, 2018. Prepara neste momento um trabalho sobre a casa de Wittgenstein, Viena, e um novo corpo de trabalho (The Blur City) a realizar na China em Setembro de 2018.